Vanessa
Oliveira Batista
A
autora do presente artigo é Doutora em Direito, Professora Associada da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Pesquisadora do CNPq e Coordenadora do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ.
O
texto divide-se em: 1. Considerações teóricas acerca do conceito de cidadania e
da política jurídica constitucionalmente adequada (p. 1-6); 2. Identidade e
reconhecimento como premissas (p. 6-8); 3. O Governo Lula e seus antecessores
(p.9-11); 4. A “desigualdade reexaminada” no Brasil (p. 11-19); 5. Considerações
finais: a radicalização da democracia (p.19-22) e; 6. Referências
bibliográficas (p.22 e 23).
O artigo teve como objeto a analisar
os dados relativos ao combate à desigualdade no Brasil, visando a responder
algumas questões: quais os avanços obtidos no Brasil em termos de políticas
jurídicas capazes de afirmar o reconhecimento de minorias? Como se relacionam,
na nossa prática, as conquistas de direitos das minorias com a participação
ativa dos cidadãos? Foram criadas condições eficazes para se garantir o auto
respeito e a solidariedade aos grupos que buscam o reconhecimento de sua
identidade? Que condições seriam essas? Como o Poder Público tem abordado
metodológica e teoricamente as violações de direitos? Essas abordagens tem sido
constitucionalmente adequadas? (p. 09).
O marco temporal foi os anos que
Luis Inácio Lula da Silva exerceu seu mandado de Presidente da República
(2003-2010), o qual o Brasil se encontrava em num período de mudanças estruturais
e transformações na política social no capitalismo avançado, em função da implementação
de políticas públicas de combate à pobreza durante seu governo (p. 09).
Contudo,
antes da autora dissertar sobre o objeto, propriamente dito, de seu artigo é
trazido a baile os referenciais teóricos. Conceitos de cidadania (p. 03),
política jurídica constitucionalmente, cidadão (p. 04), direitos de cidadania
(p. 04), identidade, reconhecimento da identidade (p. 07), luta por
reconhecimento (p. 07),
Introduzindo
o artigo, ressalta-se que o Estado Democrático de Direito pressupõe um Direito
participativo, pluralista e aberto (Carvalho Netto, 1999: 78), onde cabe ao
poder público trabalhar construtivamente os princípios e regras que constituem
o ordenamento vigente, a fim de satisfazer a legalidade, que é a um só tempo
segurança jurídica e certeza do Direito, como também o sentimento de justiça, decorrente
de decisões adequadas aos casos concretos (Cattoni de Oliveira, 1997:131) (p.
01). Inferindo-se que a tensão entre ideal jurídico e realidade social é um
problema de política jurídica.
A
autora conceitua “cidadania”, no entendimento contemporaneamente, e nos termos
do Estado Democrático de Direito, como sendo a pertença plena a uma comunidade,
pertença essa que implica em participação dos indivíduos na determinação das
condições de sua própria associação. O
conceito de cidadania nesse sentido se converteu em palavra com ressonância
política, apta a trazer coerência ao processo de formação de um sistema assecuratório
de direitos, bem como à ampliação de sua abrangência numa dinâmica que inclui
não apenas exercer direitos, mas também cumprir responsabilidades (p. 03).
Para
a conceituar a palavra identidade a autora destaca o entendimento de alguns
autores, dentre eles Taylor e Habermas, autores esse que conceituam de forma
distinta a “identidade”. O primeiro refere-se a identidade como algo equivalente
à interpretação, já o segundo faz menção a capacidade peculiar de sujeitos
capazes de falar e agir.
Também,
para definir o reconhecimento da identidade a autora evidencia alguns autores,
tais como Hegel e Georg Mead, Nancy Fraser e Axel Honneth.
Entretanto,
a teoria que melhor determina a relação entre reconhecimento e direito é a
desenvolvida por Axel Honneth. Ele trabalha com a perspectiva segundo a qual
uma relação de reconhecimento não distorcida deve conter todos os pressupostos subjetivos
de que necessitam os sujeitos para se sentirem protegidos nas condições de sua
auto-realização. Honneth (2003) estabelece três padrões de reconhecimento: amor,
direito e solidariedade. Cada um desses padrões conforma uma parcela da auto-realização.
Do amor é construída a autoconfiança; com o direito, o auto respeito; e com a
solidariedade, a autoestima (p. 08).
A
luta por reconhecimento é vista como o ponto referencial de uma construção
teórica que deve explicar a evolução moral da sociedade. Para Nancy Fraser
(2001), a luta por reconhecimento constitui a forma paradigmática do conflito
político no final do século XX. Ao lado da disputa pela distribuição dos bens
materiais, as sociedades atuais são marcadas por uma luta pelo poder de
nomeação, pelo confronto em torno do sentido que deve ser atribuído às experiências
coletivas (p. 07).
É
ressaltado no texto que é evidente, como já colocado anteriormente, que a
ideologia adotada pelo governo influencia notavelmente toda a sociedade. Nos
anos anteriores a Lula predominaram as teorias que ressaltam o individualismo e
o consumismo como formas preferências de realização pessoal, e que resultaram
na desvalorização do trabalho coletivo e solidário, como se esta fosse uma
maneira de se superar os desafios postos nas complexas sociedades contemporâneas.
A economia brasileira se fez subalterna num ambiente de globalização
financeira, em uma época marcada pelo papel dominante das potências econômicas,
que estabeleciam as prioridades a serem atendidas (Passarinho, 2010: 12) (p.10).
Entre
1994 e 2002, diversas crises financeiras abalaram os países periféricos. No
mundo do trabalho as reformas implantadas e a reestruturação do modelo
produtivo afetaram o nível do emprego e a renda dos trabalhadores, o que colocou
em xeque o neoliberalismo, o que, no Brasil, implicou no fortalecimento do PT
como partido de resistência e depositário das esperanças de se ‘virar o jogo’
contra o projeto liberal que acumulava fracassos econômicos e sociais. A
eleição de Lula em 2002 foi uma aposta clara em um projeto de reconstrução para
o Brasil tanto internamente, através do afastamento das diretrizes do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e da proposta de revisão dos processos de
privatização; quanto externamente, por meio de outro modelo de inserção
internacional, mais independente e soberano.
Nos
ordenamentos jurídicos há sempre uma desigualdade que pode ser compreendida “em
termos de diferentes capacidades e poderes que diferentes pessoas terminariam
tendo” e isto é aceito pelas vantagens que traz a eficiência. A justificativa
para a desigualdade dependeria, pois, da “consideração agregativa que opera
desta forma” (SEN, 2001: 219-221) (p. 12). O citado autor, ainda, alerta,
entretanto, para o fato de que a justiça dos ordenamentos deve ser sensível à
resposta que damos ao problema da eficiência.
Para
Sen a pobreza se traduz em falta de liberdades substantivas para que sejam
usufruídas condições de vida minimamente satisfatórias. Embora reconheça que a
baixa renda e fatores diversos possam contribuir para essa situação, ele
entende que a pobreza pode ser reduzida por meio da ampliação de benefícios
sociais. Nessa equação, são responsáveis pelas mazelas sociais tanto os que
agem para aprofundar as desigualdades quanto os que se omitem. As mudanças que
podem ajudar a erradicar a pobreza e as desigualdades devem prioritárias e
abranger câmbios políticos, institucionais e ações individuais e coletivas
(Sen, 2009: XXVI) (p. 13).
No
período de 2000 a 2011, o Brasil teve um desempenho histórico na taxa média do IDH
do Brasil (0,69%) acima que a América Latina (0,69%;) e quase a mesma taxa que
os países de alto desenvolvimento (0,70%) (p. 15).
Quando
se estuda a pobreza relacionada à questão racial, o Brasil tem uma maioria
populacional composta de negros (pretos e pardos) que é também marcadamente
pobre (2/3 das pessoas pobres são negras), urbana (70% dos pobres vive nas
grandes cidades) e nordestina (51% do pobres vive no Nordeste).
É, no entanto, inegável a melhora
dos índices do Brasil no tocante à queda da desigualdade de renda e da pobreza.
Diversos fatores concorreram para esta melhoria, como as mudanças demográficas,
espelhadas na transformação da estrutura etária da pirâmide populacional, que
implicou no aumento da parcela economicamente ativa, que durará pelo menos até
os anos 2030; a ampliação do trabalho da mulher, que contribui para o aumento da renda familiar; e
a consolidação progressiva da democracia. Esta última variável permite a
alternância no poder de diversas orientações políticas e incremento da participação
da sociedade civil na formulação e fiscalização de políticas públicas. Por
outro lado, a força de trabalho vem se qualificando, o que aumenta os níveis de
renda e de emprego (BEGHIN, 2009: 597) (p. 18).
Nas considerações finais a autora elenca algumas
medidas para a radicalização da democracia, tais como: (i) traçar algumas
considerações sobre a radicalização da democracia como resposta adequada ao
dilema da desigualdade e da pobreza (p. 19); (ii) política que garante os
direitos das minorias (p. 19); (iii) políticas para o desenvolvimento agrário
(p. 20); (iv) computação da renda de forma correta (p. 20) e; (v) política que
promova a justiça fiscal, de modo que os tributos sejam pagos proporcionalmente
a renda (p. 20).
Colocando em praticas essas condições, é possível
garantir o auto respeito e a solidariedade aos grupos que buscam o
reconhecimento de sua identidade. Contudo, deve-se frisar que, para que o Poder
Público aborde de forma constitucionalmente adequada as violações de direitos,
algumas questões ainda devem ser enfrentadas. Primeiro, deve-se abrir mais o
Estado, muito apegado ainda à democracia representativa. Em segundo lugar,
deve-se criar canais de comunicação com o Estado que sejam mais adequados (p.
021).
Por
fim, a autora conclui afirmando no Estado Democrático de Direito, necessariamente,
as questões relacionadas aos direitos das minorias devem ser resolvidas
prioritariamente por iniciativas oriundas da própria sociedade organizada, em
que se produzam não apenas a oportunidade de encontro e afirmação de identidade,
mas principalmente a reflexão sobre os problemas a serem enfrentados por todos
os que respeitam radicalmente a democracia e as diferenças que ela consagra (p
22).
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