domingo, 7 de dezembro de 2014

RESENHA DA CINEBIOGRAFIA DE CELSO FURTADO “O LONGO AMANHECER”



         Celso Furtado, demiurgo moderno brasileiro, nasceu a 26 de julho de 1920 em Pombal, no sertão da Paraíba. Tornou-se célebre por seu pensamento reformista: acreditava que, a partir de reformas de estrutura e políticas econômicas responsáveis, o Brasil cresceria.
            Ele partiu em caminho oposto aos demais pensadores da época que preconizavam o estudo desatrelado à realidade. Pelo contrário, Celso via a necessidade de captar a realidade a priori e, a partir da análise desta, transformar o mundo real (Brasil) em análise mental.
            Após a 2ª Guerra Mundial, ficou claro que os Estados são fatores importantes na História e que podem dar partida em transformações e, quando possível, monitorá-las. E esse pós-guerra serviu como laboratório de análise para Celso.
Combinou, ainda, a Teoria Keynesiana (macroeconômica) com a história (conhecimento da realidade) a fim de entender a dinâmica das estruturas; e percebeu que a concentração de capital gerava o fenômeno de dominação dos países subdesenvolvidos.
O cinebiografado percebeu que o problema do Brasil era estrutural e que não poderíamos equiparar o consumo e o PIB do Brasil com o das potências econômicas da época.
            Celso Furtado foi, também, um dos pensadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL (criada em 25 de fevereiro de 1948).
            Sua idéia era, através da CEPAL, tentar superar a dominação centro (países desenvolvidos manufatureiros) – periferia (países subdesenvolvidos produtores de matéria prima).
            Furtado foi, ainda, um grande líder do pensamento desenvolvimentista, posto que considerava que “conhecimento se forma para agir”. Tanto que, em 1953, presidiu o Grupo Misto Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CEPAL-BNDES), no qual elaborou um estudo sobre a economia brasileira, tentando extrair daí planejamentos futuros.          
            Após isso, Celso foi responsável pela estratégia de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (criada em 15 de dezembro de 1959) que tinha por objetivo acelerar o desenvolvimento da região.
Furtado afirmava que a SUDENE seguia de perto a necessidade de algumas regiões brasileiras: criação de políticas inteligentes e prioritárias.
A atuação da SUDENE se baseava em três pontos: abandonar a velha estratégica de combate à seca (a tentativa de mudar a estrutura de solo fracassava); industrializar a região a fim de aumentara renda da população; e, por fim, desmontar a estrutura fundiária da região, já que, como acreditava Celso, “o que faz a economia frágil do interior do nordeste é o latifúndio”, ou seja, uma cultura permanente em solo seco.
 Em 1961, o cinebiografado editou o livro “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”.
Já em 1962, após se tornar Ministro do Planejamento, propôs o Plano Trienal visando o combate à alta inflação.
Com o Golpe Militar de 1964, o desenvolvimentismo foi abandonado e Celso se exilou na França. Só a partir da Lei da Anistia, Celso retoma seus laços com o Brasil.
Após isso, em 1986 foi nomeado Ministro da Cultura, de 1987 a 1990 integrou a South Commission, de 1993 a 1995 foi membro da Comissão Mundial para a Cultura e o Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura - UNESCO, e de 1996 a 1998 participou da Comissão Internacional de Bioética da UNESCO.

Em 1997, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Faleceu no Rio de Janeiro em novembro de 2004.

Resenha do Texto: Vigência das contribuições de Celso Furtado ao estruturalismo


Ricardo Bielschowsky é autor do texto objeto da presente resenha. Ele se graduou em Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez o mestrado na Universidade de Brasília e o doutorado na Universidade de Leicester, Inglaterra. É hoje professor da UFRJ, e trabalha Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
O texto está divido em seis momentos e possui como objeto as três principais contribuições analíticas de Celso Furtado ao estruturalismo.
Antes de começar a discorre sobre as contribuições de Furtado é ressaltada a teoria das condições periféricas de desenvolvimento, formulada por Prebisch. Segundo o autor para é necessário citar essa teoria para compreender a teoria de Furtado, uma vez que, este foi seguidor daquele.
Para a Teoria das condições periféricas as restrições ao crescimento estão determinadas pelas condições específicas da América Latina como periferia do mundo desenvolvido.
As três principais contribuições analíticas de Celso Furtado ao estruturalismo:
i)                    O método histórico-estrutural, que incorpora a história brasileira e latinoamericana às formulações estruturalistas: Sua obra “Formação Econômica do Brasil” e uma bem sucedida tentativa de identificar os elementos históricos na formação do país que legitimam o uso do estruturalismo e de suas conclusões em matéria de política econômica;
ii)                  A interpretação de que o subdesenvolvimento na periferia latinoamericana tende a ser preservado por muito tempo, devido à dificuldade de superar o subemprego e a inadequada diversificação da atividade produtiva: com o livro “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento na America Latina”. Furtado alertou que, mesmo com crescimento sustentado seria difícil absorver a oferta abundante de mao-de-obra no contexto das sociedades latinoamericanas, ao apresentar a ideia de que pode haver crescimento durante um longo período e ao mesmo tempo manter o desemprego e o subemprego, a heterogeneidade tecnológica, a concentração de renda e a injustiça social.
iii)                A ideia de que a evolução dos investimentos na periferia está predeterminada pela composição da demanda, que espelha e tende a preservar a concentração de renda e de propriedade: A terceira grande contribuição de Furtado ao estruturalismo veio alguns anos mais tarde. Argumentou que a concentração da renda e da propriedade predetermina a composição setorial do investimento e as escolhas tecnológicas, levando a fração moderna da estrutura produtiva na America Latina a uma densidade de capital similar a dos países desenvolvidos.

Bielschowsky aponta duas falhas na analise de Furtado, a saber. Em primeiro lugar, o livro de Furtado de 1966 argumentou que no padrão latinoamericano de crescimento e industrializacao se observavam rendimentos decrescentes de escala, que resultavam numa tendência a estagnação. Em segundo lugar, o autor afirma que Furtado não considerou a possibilidade de exaurir o excedente de mao-de-obra como resultado do controle de natalidade e de um crescimento rápido dentro do padrão distributivo existente.
E ainda, Bielschowsky evidência 04 (quatro) afirmações que Prebisch ou Furtado poderia ter feito, no que refere as tendências econômicas dos em relação aos últimos 25 (vinte e cinco) anos:
i.                    O período foi de relativa estagnação na America Latina. Ocorreram muitas mudanças, algumas positivas, mas o resultado geral econômico e social foi altamente desfavorável.
ii.                  Com poucas exceções, na maioria dos países as reformas e a política econômica implementadas contribuíram a uma relativa desindustrialização,e a perda de elos de cadeias produtivas e de complementaridades intersetoriais e intersetoriais no âmbito industrial.
iii.                No período aumentou a heterogeneidade de setores, sub-setores e empresas.
iv.                O subemprego e o desemprego explicam por que, apesar do aumento nos gastos sociais, a distribuição de renda permaneceu rígida.


Chagando ao fim do artigo o autor afirma que mediante ao ocorrido na America Latina nos últimos 25 anos, a analise de Furtado manteve-se, infelizmente, com enorme atualidade. Os dois elementos centrais do subdesenvolvimento —ou seja, a insuficiente diversidade da base produtiva e a dualidade ou heterogeneidade estrutural— não foram superados, e o resultado foi a preservação de baixos salários, a concentração da renda e os elevados níveis de pobreza.

Fichamento do texto: “ Dilemas e desafios da Proteção Internacional dos Direitos Humanos no limiar do século XXI”


Antônio Augusto Cançado Trindade


O autor do artigo a ser fichado possui Ph.D. em Cambridge, é Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Professor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio-Branco, Membro dos Conselhos Diretores do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (Costa Rica) e do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo).
            O artigo trata-se da regulamentação dos direitos humanos com ênfase nas limitações concernente a aplicação e garantias desses direitos. Evidenciando que com a evolução da sociedade novos meios de violações dos Direitos Humanos surgem, e, como consequência os mecanismos consagrados para a efetivação desses direitos humanos tornam-se anacrônicos
No inicio do texto, o autor salienta que nas cinco últimas décadas o processo histórico de gradual formação, consolidação, expansão e aperfeiçoamento da proteção internacional dos direitos humanos, constituiu o Direito Humanos em um direito de proteção dotado de especificidade própria. Este processo partiu das premissas de que os direitos humanos são inerentes ao ser humano, e como tais antecedendo a todas as formas de organização política, e de que sua proteção não se esgota na ação do Estado (p. 167).
Como respostas às necessidades de proteção, têm-se multiplicado os tratados e instrumentos de direitos humanos, a partir da Declaração Universal de 1948, tida como ponto de partida do processo de generalização da proteção internacional dos direitos humanos (p. 167).
            A primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos (Teerã, 1968) representou, de certo modo, a gradual passagem da fase legislativa, de elaboração dos primeiros instrumentos internacionais de direitos humanos (a exemplo dos dois Pactos das Nações Unidas de 1966), à fase de implementação de tais instrumentos. A segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) procedeu a uma reavaliação global da aplicação de tais instrumentos e das perspectivas para o novo século (p. 167).
Existem inúmeras violações aos Direitos Humanos, apesar da constante atuação dos órgãos internacionais nos planos nacionais e globais. Contudo, essas violações crescem devido às mudanças no panorama mundial e o surgimentos de outras formas de violações destes direitos, necessitando repensar e regulamentar novos mecanismos de prevenção e combate a violações de direitos tão sensíveis.
Os tratados de direitos humanos das Nações Unidas têm, com efeito, constituído a espinha dorsal do sistema universal de proteção dos direitos humanos.
O autor chama atenção para a “ratificação universal” e sem reservas das seis “Convenções centrais” (core Conventions) das Nações Unidas (os dois Pactos de Direitos Humanos, as Convenções sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação – Racial e contra a Mulher, – a Convenção contra a Tortura, e a Convenção sobre os Direitos da Criança) para a garantia da efetivação da aplicação dos Direitos Humanos em completo no mundo inteiro (p. 169).
Ratificação universal contribuindo assim a que se assegure que a universalidade dos direitos humanos venha a prevalecer nos planos não só conceitual mas também operacional (a não-seletividade). Para isto, é necessário que tal ratificação universal seja também integral, ou seja, sem reservas e com a aceitação das cláusulas facultativas, tais como, nos tratados que as contêm, as que consagram o direito de petição individual, e as que dispõem sobre a jurisdição obrigatória dos órgãos de supervisão internacional (p. 171).
Uma das grandes conquistas da proteção internacional dos direitos humanos, em perspectiva histórica, é sem dúvida o acesso dos indivíduos às instâncias internacionais de proteção e o reconhecimento de sua capacidade processual internacional em casos de violações dos direitos humanos. Urge que se reconheça o acesso direto dos indivíduos àquelas instâncias (sobretudo as judiciais), a exemplo do estipulado no Protocolo nº 9 à Convenção Européia de Direitos Humanos - 1990 (p. 170).
O passo seguinte, a ser dado no século XXI, consistiria na garantia da igualdade processual (equality of arms/égalité des armes) entre os indivíduos demandantes e os Estados demandados, na vindicação dos direitos humanos protegidos (p. 170).
            O termo “reparações” não é juridicamente sinônimo de “indenizações”: o primeiro é o gênero, o segundo a espécie. No presente domínio de proteção, as reparações abarcam, a par das indenizações devidas às vítimas – à luz do princípio geral do neminem laedere, – a restitutio in integrum (restabelecimento da situação anterior da vítima, sempre que possível), a reabilitação, a satisfação e, significativamente, a garantia da não-repetição dos atos ou omissões violatórios; o dever de prevenção (p. 173 e 174).
A responsabilidade primária pela observância dos direitos humanos recai nos Estados, e os próprios tratados de direitos humanos atribuem importantes funções de proteção aos órgãos dos Estados. Ao ratificarem tais tratados, os Estados Partes contraem a obrigação geral de adequar seu ordenamento jurídico interno à normativa internacional de proteção, a par das obrigações específicas relativas a cada um dos direitos protegidos (p. 176).

Portanto, cumpre conceber novas formas de proteção do ser humano ante a atual diversificação das fontes de violações de seus direitos para garantir a efetivação dos Direitos. Contudo, os órgãos de fiscalização dos Direitos Humanos sofre com limitações de recursos, em especial recursos financeiros, no plano global, menos de 1% do orçamento regular das Nações Unidas são investidos campo dos direitos humanos, – refletem um quase descaso em relação ao trabalho no campo da proteção internacional dos direitos humanos (p. 173).

Fichamento do texto: “O contrário dos direitos humanos (explicitando Zizek)”



J. A. LINDGREN ALVES

O autor do texto objeto do presente fichamento é formado em Direito pena Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Embaixador de carreira do Brasil.
O artigo apresenta-se na seguinte estrutura: Pré-introdução que não chega a ser prefácio (p. 92 e 93); Introdução real: progressos e paradoxos (p. 93-95); Humanitarismo “para inglês ver”? (p. 95-99); Os violadores democráticos (p. 99-102); A democracia como violadora? (p. 102 e 103); A indivisibilidade dos direitos humanos e a parcialidade das normas aplicadas (p. 104-108); Neoliberalismo versus direitos humanos (p. 108 e 109); Conclusão: recapitulação e saídas (p.109-111); Pós-conclusão que não chega a ser epílogo, para completar a pré-introdução, que não chegava a ser prefácio (p. 111-113).
O início do artigo o autor deixa seu pensamento em relação ao Direito Humano no mundo, ao mencionar as crescentes ratificações do Tribunal Penal Internacional: Poderia até, com algum otimismo, acreditar que o caminho para uma verdadeira Justiça Internacional vinha se consolidando, neste início de século, com as sementes lançadas na última década do século passado (p. 94).
O autor aborda que o chamado direito de ingerência foi utilizado como intervenção de forças armadas estatais em conflitos alheios, com objetivos humanitários – sem definir em termos genéricos, universais e regulamentadores, como é da essência do Direito, as características desse informalmente chamado “direito de ingerência” (p. 96).
Lindgren ressalta que conforme estabelecia a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, a democracia é elemento fundamental para se obter a observância dos direitos humanos, inclusive os “de segunda geração”. Até porque, conforme ensinava Marshall desde a década de 40, os direitos civis e políticos sempre foram instrumentos importantes para a consecução dos direitos econômicos e sociais pelo proletariado dos países que se modernizaram nos dois últimos séculos (p. 102).
O que, sem dúvida, não foi corretamente assimilado na prática internacional, assim como nas normas de muitos Estados que se dispõem a aplicar na jurisdição doméstica as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos e Convenções internacionais vigentes sobre a matéria, é que todos os direitos humanos, definidos pela ONU desde de 1948 e reafirmados em sua validade universal pela Conferência de Viena de 1993, são “... indivisíveis, interdependentes e interrelacionados”; artigo 5º da Declaração de Viena (p. 103).
            A primeira Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, realizada em Teerã (a Teerã do Xá Rheza Pahlevi), afirmava, sem ambigüidades, no artigo 13 de sua Proclamação. De significado inquestionável para qualquer leitor bem-intencionado, o artigo 13 da Proclamação de Teerã, mais do que uma asserção socialista contra o liberalismo capitalista, ou a definição da social-democracia como meta programática de todos, refletia, em especial, a reinvidicação de uma Nova Ordem Econômica Internacional pelos países do Terceiro Mundo, com respaldo do Segundo, então dada como válida. Além dessa distorção de origem, o artigo 13 revelou-se, logo após sua aprovação, não somente uma afirmação inconsistente com as políticas internas da maioria dos países que o citavam, mas também, e sobretudo, uma escusa lamentável, utilizada por toda e qualquer ditadura – e os regimes ditatoriais eram particularmente abundantes no período – para a denegação dos direitos civis e políticos à respectiva população (p. 104).
Foi em razão desse abuso interpretativo do artigo 13 e de seu mal-uso obsessivo por governos ditatoriais que a Proclamação de Teerã tornou-se voluntariamente “esquecida” por todos os militantes mais sérios dos direitos e liberdades fundamentais, governamentais e não-governamentais. Permaneceu, assim, no ostracismo, omitida das relações de documentos internacionais considerados importantes na matéria até a década de 90, e ainda é geralmente desconhecida. Por essa mesma razão, a segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, foi muito mais sutil ao tratar do assunto. (p. 105)
A questão da indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos é abordada em diversos dispositivos da Declaração e Programa de Ação de Viena. O primeiro que a isso se refere ostensivamente é o artigo 5º, já mencionado acima, que reza (p. 105).
A questão da indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos é abordada em diversos dispositivos da Declaração e Programa de Ação de Viena. No artigo 10 da Declaração de 1993, cuja redação tornou consensual – conquanto efemeramente – o direito ao desenvolvimento, ela estabeleceu clara resposta revogatória, idealmente superadora, ao artigo 13 da Proclamação de Teerã, ao dizer (p. 106).
A solução encontrada por Viena para as distorções propiciadas por Teerã parecia apropriada às melhores tendências do momento. Recorria à linguagem eticamente cogente dos direitos humanos (particularmente forte no pós-Guerra Fria até meados dos anos 90), para afirmar, sem o chavão desgastado da Nova Ordem Econômica Internacional, a necessidade de desenvolvimento como um direito fundamental. Rejeitava a manipulação da indivisibilidade dos direitos feita por governos ditatoriais, objetando a invocação da falta de desenvolvimento como escusa para a supressão de quaisquer direitos (subentendendo-se em especial os direitos civis e políticos, de realização supostamente mais fácil). Utilizava-se da atmosfera ainda otimista do fim da bipolaridade estratégica para propor a cooperação entre os Estados na superação de obstáculos ao desenvolvimento. Aproveitava a emergência das organizações não-governamentais como atores internacionais relevantes, assim como o clima anti-estatista facilitado pelo fim do “socialismo real” (sem falar no impulso dado pelo individualismo crescente e pelo neoliberalismo espraiante), para declarar, com razão, que o desenvolvimento tem por sujeito não o Estado, mas a pessoa humana (p. 106 e 107).
Diferentemente do ocorrido com a Proclamação de Teerã até a década de 90, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não se encontra exatamente esquecido, nem é regularmente omitido da relação dos instrumentos reputados mais importantes na área dos direitos humanos. Seu órgão de monitoramento, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reúnem-se com regularidade para examinar os relatórios que lhe são submetidos pelos Estados-partes periodicamente. O Pacto se encontra, na verdade, mais apropriadamente “mumificado” (p. 107).
Com o Estado nacional inerme, inelutavelmente enfraquecido, o recurso às entidades não-governamentais é, evidentemente, válido e necessário – para não dizer imprescindível – até porque, em princípio, não parece haver alternativa. Mas, tendo em conta que o Direito sempre foi um atributo do Estado territorial – que dele se servia inclusive para criar o Direito Internacional –, cabendo a esse mesmo Estado a responsabilidade pela definição normativa interna, a observância das normas pertinentes e a implementação das prestações necessárias aos direitos humanos, a realização dos direitos individuais e coletivos apenas pela ação não estatal, ainda que bem-sucedida, abandona a esfera do jurídico para entrar no domínio da ética e da filantropia. Os direitos deixam, pois, de ser direitos (p. 109).
Num sistema em que as normas da economia derrubam o direito ao trabalho e o Direito do Trabalho; em que a eficiência econômica impõe o desmanche da segurança social; em que as leis do mercado são as únicas existentes para regular a sociedade, cabendo aos pobres a responsabilidade pela própria pobreza, aos marginalizados a miséria absoluta, ou o crime e a penitenciária; em que o ideal da social-democracia dá lugar por completo à aceitação do “risco” e à competitividade, a afirmação de Zizek na epígrafe deste ensaio tende a adquirir ampla validade. A nova normatividade emergente, mas ainda não estabelecida, para os direitos humanos, com ênfase numa democracia sem prestações positivas, sabidamente necessárias para a realização dos próprios “direitos negativos”, é a forma em que se apresenta seu contrário: a inexistência real de direitos, inclusive os civis e políticos. Faz-se, portanto, necessário lutar para que essa normatividade emergente não se convalide, tonando-se definitiva (p. 109).
Enquanto Zizek, com recurso a Lacan, propugna por uma atualização do Marx libertário, não liberticida, sem repressões de qualquer tipo, na denúncia dos malefícios disfarçados do capitalismo contemporâneo, e Habermas, também citado acima, mais otimisticamente espera que o mundo intercomunicativo consiga algum dia transformar a política internacional numa política interna social-democrata de abrangência universal, todos os analistas da atualidade, por essas ou por outras vias, reconhecem que o Estado nacional não tem condições de voltar a ser o que era. A solução necessária aos impasses em que nos encontramos precisa ser inventada em formas supranacionais de convivência e solidariedade, possivelmente inspiradas no que a Europa já fez e pode vir a fazer no caminho de uma união federalista, desde que não abandone, no sentido habermasiano da expressão, a social-democracia, antes inseparável do Estado nacional (p. 110).

Portanto, Lindgren em seu artigo faz uma analise crítica dos Direitos Humanos na atualidade, analisando os impasses que este veem enfrentando com a modernidade da sociedade e a falta da efetivação das normas de Direitos Humanos. Esta por causa da não “ratificação universal” pelo Estados e da não prevalências das normas internacionais sobre as internacionais. Também, foi citado o acontecido do 11 de setembro nos Estados Unidos exemplificando a “previsão” crítica do esloveno Slavoj Zizek quando defende que a nova normatividade emergente para o direitos humanos acaba por ser a forma em que aparece o seu exato oposto.

Fichamento do texto: “Os Avanços da Proteção das Minorias no Brasil”



Vanessa Oliveira Batista

A autora do presente artigo é Doutora em Direito, Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisadora do CNPq e Coordenadora do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ.
O texto divide-se em: 1. Considerações teóricas acerca do conceito de cidadania e da política jurídica constitucionalmente adequada (p. 1-6); 2. Identidade e reconhecimento como premissas (p. 6-8); 3. O Governo Lula e seus antecessores (p.9-11); 4. A “desigualdade reexaminada” no Brasil (p. 11-19); 5. Considerações finais: a radicalização da democracia (p.19-22) e; 6. Referências bibliográficas (p.22 e 23).
            O artigo teve como objeto a analisar os dados relativos ao combate à desigualdade no Brasil, visando a responder algumas questões: quais os avanços obtidos no Brasil em termos de políticas jurídicas capazes de afirmar o reconhecimento de minorias? Como se relacionam, na nossa prática, as conquistas de direitos das minorias com a participação ativa dos cidadãos? Foram criadas condições eficazes para se garantir o auto respeito e a solidariedade aos grupos que buscam o reconhecimento de sua identidade? Que condições seriam essas? Como o Poder Público tem abordado metodológica e teoricamente as violações de direitos? Essas abordagens tem sido constitucionalmente adequadas? (p. 09).
            O marco temporal foi os anos que Luis Inácio Lula da Silva exerceu seu mandado de Presidente da República (2003-2010), o qual o Brasil se encontrava em num período de mudanças estruturais e transformações na política social no capitalismo avançado, em função da implementação de políticas públicas de combate à pobreza durante seu governo (p. 09).
Contudo, antes da autora dissertar sobre o objeto, propriamente dito, de seu artigo é trazido a baile os referenciais teóricos. Conceitos de cidadania (p. 03), política jurídica constitucionalmente, cidadão (p. 04), direitos de cidadania (p. 04), identidade, reconhecimento da identidade (p. 07), luta por reconhecimento (p. 07),

Introduzindo o artigo, ressalta-se que o Estado Democrático de Direito pressupõe um Direito participativo, pluralista e aberto (Carvalho Netto, 1999: 78), onde cabe ao poder público trabalhar construtivamente os princípios e regras que constituem o ordenamento vigente, a fim de satisfazer a legalidade, que é a um só tempo segurança jurídica e certeza do Direito, como também o sentimento de justiça, decorrente de decisões adequadas aos casos concretos (Cattoni de Oliveira, 1997:131) (p. 01). Inferindo-se que a tensão entre ideal jurídico e realidade social é um problema de política jurídica.
A autora conceitua “cidadania”, no entendimento contemporaneamente, e nos termos do Estado Democrático de Direito, como sendo a pertença plena a uma comunidade, pertença essa que implica em participação dos indivíduos na determinação das condições de sua própria  associação. O conceito de cidadania nesse sentido se converteu em palavra com ressonância política, apta a trazer coerência ao processo de formação de um sistema assecuratório de direitos, bem como à ampliação de sua abrangência numa dinâmica que inclui não apenas exercer direitos, mas também cumprir responsabilidades (p. 03).
Para a conceituar a palavra identidade a autora destaca o entendimento de alguns autores, dentre eles Taylor e Habermas, autores esse que conceituam de forma distinta a “identidade”. O primeiro refere-se a identidade como algo equivalente à interpretação, já o segundo faz menção a capacidade peculiar de sujeitos capazes de falar e agir.
Também, para definir o reconhecimento da identidade a autora evidencia alguns autores, tais como Hegel e Georg Mead, Nancy Fraser e Axel Honneth.
Entretanto, a teoria que melhor determina a relação entre reconhecimento e direito é a desenvolvida por Axel Honneth. Ele trabalha com a perspectiva segundo a qual uma relação de reconhecimento não distorcida deve conter todos os pressupostos subjetivos de que necessitam os sujeitos para se sentirem protegidos nas condições de sua auto-realização. Honneth (2003) estabelece três padrões de reconhecimento: amor, direito e solidariedade. Cada um desses padrões conforma uma parcela da auto-realização. Do amor é construída a autoconfiança; com o direito, o auto respeito; e com a solidariedade, a autoestima (p. 08).
A luta por reconhecimento é vista como o ponto referencial de uma construção teórica que deve explicar a evolução moral da sociedade. Para Nancy Fraser (2001), a luta por reconhecimento constitui a forma paradigmática do conflito político no final do século XX. Ao lado da disputa pela distribuição dos bens materiais, as sociedades atuais são marcadas por uma luta pelo poder de nomeação, pelo confronto em torno do sentido que deve ser atribuído às experiências coletivas (p. 07).
É ressaltado no texto que é evidente, como já colocado anteriormente, que a ideologia adotada pelo governo influencia notavelmente toda a sociedade. Nos anos anteriores a Lula predominaram as teorias que ressaltam o individualismo e o consumismo como formas preferências de realização pessoal, e que resultaram na desvalorização do trabalho coletivo e solidário, como se esta fosse uma maneira de se superar os desafios postos nas complexas sociedades contemporâneas. A economia brasileira se fez subalterna num ambiente de globalização financeira, em uma época marcada pelo papel dominante das potências econômicas, que estabeleciam as prioridades a serem atendidas (Passarinho, 2010: 12) (p.10).
Entre 1994 e 2002, diversas crises financeiras abalaram os países periféricos. No mundo do trabalho as reformas implantadas e a reestruturação do modelo produtivo afetaram o nível do emprego e a renda dos trabalhadores, o que colocou em xeque o neoliberalismo, o que, no Brasil, implicou no fortalecimento do PT como partido de resistência e depositário das esperanças de se ‘virar o jogo’ contra o projeto liberal que acumulava fracassos econômicos e sociais. A eleição de Lula em 2002 foi uma aposta clara em um projeto de reconstrução para o Brasil tanto internamente, através do afastamento das diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da proposta de revisão dos processos de privatização; quanto externamente, por meio de outro modelo de inserção internacional, mais independente e soberano.
Nos ordenamentos jurídicos há sempre uma desigualdade que pode ser compreendida “em termos de diferentes capacidades e poderes que diferentes pessoas terminariam tendo” e isto é aceito pelas vantagens que traz a eficiência. A justificativa para a desigualdade dependeria, pois, da “consideração agregativa que opera desta forma” (SEN, 2001: 219-221) (p. 12). O citado autor, ainda, alerta, entretanto, para o fato de que a justiça dos ordenamentos deve ser sensível à resposta que damos ao problema da eficiência.

Para Sen a pobreza se traduz em falta de liberdades substantivas para que sejam usufruídas condições de vida minimamente satisfatórias. Embora reconheça que a baixa renda e fatores diversos possam contribuir para essa situação, ele entende que a pobreza pode ser reduzida por meio da ampliação de benefícios sociais. Nessa equação, são responsáveis pelas mazelas sociais tanto os que agem para aprofundar as desigualdades quanto os que se omitem. As mudanças que podem ajudar a erradicar a pobreza e as desigualdades devem prioritárias e abranger câmbios políticos, institucionais e ações individuais e coletivas (Sen, 2009: XXVI) (p. 13).
No período de 2000 a 2011, o Brasil teve um desempenho histórico na taxa média do IDH do Brasil (0,69%) acima que a América Latina (0,69%;) e quase a mesma taxa que os países de alto desenvolvimento (0,70%) (p. 15).
Quando se estuda a pobreza relacionada à questão racial, o Brasil tem uma maioria populacional composta de negros (pretos e pardos) que é também marcadamente pobre (2/3 das pessoas pobres são negras), urbana (70% dos pobres vive nas grandes cidades) e nordestina (51% do pobres vive no Nordeste).
            É, no entanto, inegável a melhora dos índices do Brasil no tocante à queda da desigualdade de renda e da pobreza. Diversos fatores concorreram para esta melhoria, como as mudanças demográficas, espelhadas na transformação da estrutura etária da pirâmide populacional, que implicou no aumento da parcela economicamente ativa, que durará pelo menos até os anos 2030; a ampliação do trabalho da mulher, que  contribui para o aumento da renda familiar; e a consolidação progressiva da democracia. Esta última variável permite a alternância no poder de diversas orientações políticas e incremento da participação da sociedade civil na formulação e fiscalização de políticas públicas. Por outro lado, a força de trabalho vem se qualificando, o que aumenta os níveis de renda e de emprego (BEGHIN, 2009: 597) (p. 18).
Nas considerações finais a autora elenca algumas medidas para a radicalização da democracia, tais como: (i) traçar algumas considerações sobre a radicalização da democracia como resposta adequada ao dilema da desigualdade e da pobreza (p. 19); (ii) política que garante os direitos das minorias (p. 19); (iii) políticas para o desenvolvimento agrário (p. 20); (iv) computação da renda de forma correta (p. 20) e; (v) política que promova a justiça fiscal, de modo que os tributos sejam pagos proporcionalmente a renda (p. 20).

Colocando em praticas essas condições, é possível garantir o auto respeito e a solidariedade aos grupos que buscam o reconhecimento de sua identidade. Contudo, deve-se frisar que, para que o Poder Público aborde de forma constitucionalmente adequada as violações de direitos, algumas questões ainda devem ser enfrentadas. Primeiro, deve-se abrir mais o Estado, muito apegado ainda à democracia representativa. Em segundo lugar, deve-se criar canais de comunicação com o Estado que sejam mais adequados (p. 021).
           

Por fim, a autora conclui afirmando no Estado Democrático de Direito, necessariamente, as questões relacionadas aos direitos das minorias devem ser resolvidas prioritariamente por iniciativas oriundas da própria sociedade organizada, em que se produzam não apenas a oportunidade de encontro e afirmação de identidade, mas principalmente a reflexão sobre os problemas a serem enfrentados por todos os que respeitam radicalmente a democracia e as diferenças que ela consagra (p 22).

Fichamento do texto: Os Direitos Humanos como Processo de Lutas



Ruben Rockenbach Manente

O autor do presente artigo objetivo do fichamento é advogado e professor universitário. Doutorando em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidad Pablo de Olavide (Sevilha-Espanha). Sócio-fundador e atual Presidente do Instituto Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento (IDHID).
O texto dividi-se em: A Teoria Hegemônica dos Direitos Humanos (p. 01 - 03); O Contexto Social, Econômico, Cultural e Político ( p. 04 - 09); Consciência Crítica e Potência (p. 09 - 12); Os Direitos Humanos como Processos De Lutas (p.12 - 19) e; Referências Bibliográficas (p. 20 e 21).
O artigo diserta sobre a teoria hegemônica dos direitos humanos, analisando a complexidade do atual contexto social, econômico, político e cultural e o respectivo fracasso da universalidade dos direitos. Ao termino do texto o autor faz o uso de uma teoria crítica que se possa alcançar um pluriversalismo de confluência m prol de melhores distribuições das riquezas e da eliminação das múltiplas exclusões.
Para introduzir o texto o autor evidência a predominância da Teoria Hegemônica.  Esta teoria conceitua/denomina os direitos humanos é como sendo “direitos inerentes a todos os seres humanos, sem distinção alguma de nacionalidade, lugar de residência, sexo, origem nacional ou étnica, cor, religião, língua ou qualquer outra condição”. Com efeito, consoante a mencionada teoria tradicional, os direitos humanos são caracterizados como universais, uma vez que decorreriam da própria dignidade humana representada pela essência da nossa natureza (p. 01).
Também, para conceituar, os Direitos Humanos, é invocado A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19482, a qual, ao estabelecer a ideia da universalidade, destaca “como ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações.
A concepção tradicional (e hegemônica) do conceito dos diretos humanos resulta
da enorme positivação no âmbito internacional em relação à matéria, surgida, em especial, na época do pós-guerra e com a elaboração – pela Organização das Nações Unidas (ONU) – da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966 (p. 02).
A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) para manter a paz, no pós-Segunda Guerra mundial com intuito de proporcionar a segurança no mundo e aumentar padrões de vida, ao lado da posterior Declaração dos Direitos Humanos de 1948, marcaram o nascimento do novo direito internacional com a instauração de um pacto social e ordenamento jurídico mundial (p. 02).
O surgimento do conceito hegemônico (tradicional ou contemporâneo) dos direitos humanos deve ser analisado sob o enfoque de outras duas perspectivas: 1) sociopolítica, no marco da Guerra Fria com a luta ideológica, política e econômica travada entre os países defensores do capitalismo e do socialismo; e 2) geoestratégica, no marco do processo de descolonização das colônias que reduziu o papel liberador dos direitos de autodeterminação e consolidou um sistema jurídico internacional baseado na supremacia dos Estados centrais sobre os periféricos (p. 03).
Atualmente, vivemos uma realidade totalmente daquele que a comunidade internacional pretendia e/ou positivo com a criação da ONU, depois da Segunda Guerra Mundial. Fora feita compromissos com a erradicação da pobreza. Contudo, a força da globaliza trouxe novas promessas e também nossos desafios.
Presenciamos uma época de exclusão generalizada, em um mundo onde 4/5 dos habitantes sobrevivem no seio da miséria, 30% da população mundial vive (ou tenta viver) com menos de um dólar por dia, 20% das pessoas mais pobres recebem menos de 2% da riqueza, ao passo que os 20% mais ricos reservam 80% da riqueza mundial e 1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável e são analfabetos (p. 04).
É nítido que os Direitos Humanos estão sendo efetivados e poucos se fazem para que esses sejam aplicados.
O Brasil se caracteriza por um país onde apenas as elite possui voz e vez, excluindo as classes mais desfavorecidas e negligenciando o Direitos Humanos. Corroborando com esses entendimento, observamos alguns números.
O país que possui território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados em que vivem mais de 190 milhões de pessoas (2007), que registra um Produto Interno Bruto (PIB) de 880 milhões de dólares (2005) e possui 9% da população subnutrida (2002), taxa de mortalidade infantil de 27,4% (2005), 11% dos domicílios sem acesso à água potável (2002) e 25% sem rede sanitária (2002) (p. 05).
O Brasil se transforma em um lugar de espaços divididos, demonstrando, como aponta o geógrafo Milton Santos. Entretanto, qualquer reflexão geral que despreze a realidade socioeconômica do país em que é aplicada estará fadada a ser um mero exercício intelectual sobre a irrealidade, gratuita ficção, uma ilusão, uma quimera sem a mínima importância para a sociedade. A desigualdade social é um quadro visível no cotidiano de sociedade, passível de ser comprovado empiricamente, contudo, é tratada como natural ou inexistente (p. 07).
É notório que, de fato, por trás de uma norma jurídica de pretensão universal, existem interesses (particulares ou não) concretos que reclamam ser parte constitutiva de um novo sentido do humano que não descanse somente no reconhecimento do comum-coletivo, senão que se estenda ao âmbito da diferença (p. 07).
Cabendo destacar que os direitos humanos não se limitam aos Tratados e às Constituições, mas, sim, são resultado de lutas sociais e coletivas que buscam a construção de espaços sociais, econômicos, políticos e jurídicos que permitam à subjetividade coletiva se tornar sujeito absoluto dos processos de potência (p. 15). Portanto, existem independentemente do seu reconhecimento formal, visto que, em grande medida, legitimam ações (políticas, sociais, econômicas, culturais e, inclusive, jurídicas) contra as instituições mesmas (P. 08).
Joaquín Herrera Flores, afirma que a universalidade dos direitos somente pode ser definida em função da seguinte variável: o fortalecimento de indivíduos, grupos e organizações de todos de modo a criar as condições que garantam de um modo igualitário o acesso aos bens (p. 09).
Afinal, o professor Antonio Carlos Wolkmer destaca que a ideia de consciência e de razão na teoria tradicional está vinculada ao mundo da natureza e ao presente, já na teoria crítica expressa-se a ideia de razão vinculada ao processo histórico-social, sendo a realidade em constante transformação (p. 10).
Assim como afirma a firma Frei Betto, realmente não outra justifica da pobresa se não: “ninguém escolhe a pobreza, ela decorre de leis e estruturas injustas. Isso é o que precisa mudar” (p. 10). Sendo, as outras teorias do surgimento da pobreza meros percussoras e reprodutoras da Teoria Tradicional.
Não podemos esquecer que em nome dos direitos humanos (e da sua universalidade) foram cometidos os maiores horrores e construídos os ideais mais generosos (a chamada inversão ideológica), justificando-se a conquista e a eliminação de povos inteiros (p. 11). Em outra palavras, os direitos humanos são bem-vindos apenas quando favorece as classes dominantes e para justificar suas ações com excessivos poderes.
Para criticarmos o atual direito humano, ou melhor sua efetivação, pensar de outro modo. Pensar o mundo onde vivemos e propor alternativas para sua mudança. A criação de novos modos de reagir frente aos entornos das relações nas quais estamos presentes é uma exigência de nossa natureza de animais culturais (p. 13). Sendo assim, se faz necessário romper com a Teoria Tradição e todo o seu legado.
Um método eficaz para rompermos com a Teoria tradicional é abandonar o individualismo (umas das características mais importantes da ideologia moderna e da sociedade atual) que considera o ser humano como indivíduo absoluto e centro autônomo de decisão (p. 17).
A adoção de uma teoria crítica dos direitos humanos é urgente, uma vez que “a intenção da teoria crítica é definir um projeto que possibilite a mudança da sociedade em função do novo tipo de homem (...) da sua reconciliação com a natureza não repressora e com o processo histórico por ele moldado”. Uma concepção emancipadora como forma de luta e prática social que pode (se cruzar com a realidade) servir de incentivo para a construção de um mundo melhor e mais justo (p. 14).

Por fim, o autor conclui afirmando que os direitos humanos devem ser compreendidos não como um dado histórico, e sim um construído, uma intervenção humana em constante processo de construção e reconstrução, ou seja, uma racionalidade de resistência na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana (p. 18).

Fichamento do texto: “Introdução aos Fundamentos de uma Teoria geral dos “novos” Direitos”



 Antonio Carlos Wolkmer

O texto a ser fichado é de Antonio Carlos Wolkmer Professor Titular de História das Instituições Jurídicas dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da UFSC e Doutor em Direito e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (RJ).
O artigo possui 28 páginas e encontra-se dividido em 05 (cinco) tópicos: 1. Introdução (p. 122-124); 2. Natureza e Historicidade dos “Novos” Direitos (p. 124-135), este é subdividido em: 2. 1. Direitos de "primeira dimensão" (p. 127 e 128), 2.2 Direitos de “segunda dimensão” (p. 128 e 129), 2.3 Direitos de “terceira dimensão” (p. 129-131), 2.4 Direitos de “quarta dimensão” (p. 131-133) e, 2.5 Direitos de “quinta dimensão” (p. 133-135); 3. Problematização E Fundamentos Dos "Novos" Direitos (p. 135-138); 4. Tutela Jurisdicional dos "Novos" Direitos (p.138-142); 5. Considerações Finais (p. 142 e 143).
O autor contextualizado o seu artigo fazendo referência na moderna cultura jurídica nascida na Europa Ocidental entre os séculos XVII e XIX, foi engendrada por longo processo interativo de fatores, como: o modo produtivo capitalista, a organização social burguesa, a projeção doutrinária liberal-individualista e a consolidação política da centralização estatal. Evidenciando que a prática jurídica está vinculada as relações, necessidades humanas e ao meio que esta fora submetido.
                Posteriormente, há a racionalização do poder e a centralização da política, que reduz o Direito à vontade estatal soberana, subordinando os operados jurídicos a esta.
            Com o passar dos tempos, a cultura modifica e surgem outras realidades que refletem em diversas falhas no Direito e em sua aplicação, fazendo com que sejam pensando e propostos instrumentos jurídicos adequados para viabilizar sua materialização e para garantir sua tutela jurisdicional, seja por meio de um novo Direito Processual, seja por meio de uma Teoria Geral das Ações Constitucionais.
A cerca do Natureza e Historicidade dos “Novos” Direitos, destacam os seguintes trechos:
- As teses de que os homens possuem direitos naturais que antecedem qualquer sociedade política se fortaleceram no século XVIII com a Declaração de Virginia (1776) e com a Declaração Francesa de 1789. Tais direitos, que se afirmam como direitos dos indivíduos considerados "inalienáveis e sagrados", O processo de reconhecimento e afirmação de direitos do homem chamados de "fundamentais" constituiu uma verdadeira conquista da sociedade moderna ocidental (p. 124).
- Essa multiplicação histórica dos "novos" direitos processou-se, no dizer de Bobbio, por três razões: a) aumentou a "quantidade de bens considerados merecedores de tutela"; b) estendeu-se "a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem"; c) O homem não é mais concebido como ser genérico, abstrato, "( ... ) mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente etc." (p. 124 e 125)
- Possivelmente a classificação dos direitos civis, políticos e sociais feita por Marshall, em sua obra Cidadania, classe social e status, tornou-se referencial paradigmático enquanto processo evolutivo de fases históricas dos direitos no Ocidente (p. 125).
- Dimensões do Direito: baseado nas tipologias de Marshall, Bobbio, Sarlet e Oliveira Jr., propõe-se, na esteira do ultimo autor, a ordenação histórica dos "novos" direitos em cinco grandes "dimensões" (p. 127).
i. “Primeira dimensão”: direitos civis e políticos. Trata-se dos direitos individuais vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança e à resistência às diversas formas de opressão. Direitos inerentes à individualidade, tidos como atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis, que por serem de defesa e serem estabelecidos contra o Estado, têm especificidade de direitos "negativos". Apareceram ao longo dos séculos XVIlI e XIX, recorda-se que o mais importante código privado dessa época foi o Código Napoleônico de 1804 (p. 127).
ii. “Segunda dimensão”: direitos sociais, econômicos e culturais, direitos fundados nos princípios da igualdade e com alcance positivo, pois não são contra o Estado mas ensejam sua garantia e concessão a todos indivíduos por parte do poder publico. A parecem na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, no cenário em que a crise do modelo liberal de Estado possibilita o nascimento do Estado do Bem-Estar Social, que passa a arbitrar as relações entre o capital e o trabalho. As principais fontes legais institucionalizadas é a Constituição Alemã de Weimar de 1919, e o Texto Constitucional de 1934 do Brasil (p 128).
iii. “Terceira dimensão”: direitos metaindividuais, direitos coletivos e difusos, direitos de solidariedade, titular deixa de ser o homem individual e passa a desrespeitar a proteção de categorias ou grupos de pessoas (família, povo, nação), não se enquadrando nem no publico, nem no privado. Como exemplo como os direitos de gênero, os direitos da criança, os direitos do idoso, os direitos dos deficientes físico e mental, os direitos das minorias e os novos direitos da personalidade. Ao reconhecer os direitos de terceira dimensão é possível perceber duas posições entre os doutrinadores nacionais: a) interpretação abrangente acerca dos direitos de solidariedade ou fraternidade; b) interpretação específica acerca de direitos transindividuais (p. 129). Esses direitos começaram a ganhar impulsos pós-Segunda Guerra Mundial (1945-1950). Tendo seu coroamento no Brasil na Lei da Ação Civil Publica (n. 7.347/85)
iv. “Quarta dimensão”: "novos" direitos referentes à biotecnologia, a bioética e a regulação da engenharia genética. Trata dos direitos específicos que tem vinculação direta com a vida humana. Aparece no século XX e projetam grandes e desafiadoras discussões nos primórdios do novo milênio. A Lei Brasileira da Biossegurança (n. 8.974) é um dos exemplos da regulamentação desse direito (p. 131).
v.  “Quinta dimensão”: "novos" direitos advindos das tecnologias de informação (internet), do ciberespaço e da realidade virtual em geral. A passagem do século XX para o novo milênio reflete uma transição paradigmática da sociedade industrial para a sociedade da era virtual (p. 133). Recentemente foi a provado o Marco Civil da Internet (oficialmente chamado de Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014) que consagra essa dimensão de direitos.
Depois de explicitar as demissões do direito o aturo problematização e fundamentos dos "novos" direitos. Afirmando preliminarmente que importa questionar a natureza dos "novos" direitos. Sendo eles produtos de "gerações" ou são resultantes de um processo de permanente gestação e inter-relação, provocadas por reivindicações, conflitos e ações cooperativas? (p. 135)
A resposta a questão indagada remete-nos a ideia de que cada época possuiu certos direitos absolutos e relativos, conforme a realidade e manifestações populares daquela determinada época. Alguns desses direitos conquistados em época anteriores transcende entre as décadas e são consagrados direitos históricos.
Nesse sentido, afirma Norberto Bobbio: “são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” (p. 135)
Enfim, o processo hist6rico de criação ininterrupta dos "novos" direitos fundamenta-se na afirmação permanente das necessidades humanas especificas e na legitimidade de ação dos novos atores sociais, capazes de implementar praticas diversificadas de relação entre indivíduos, grupos e natureza (p. 138).
A cerca de Tutela Jurisdicional Dos "Novos" Direitos é pertinente destacarmos:
- Reconhecida a importância desses mecanismos legais já consagrados (instrumentos de defender a coletividade), faz-se necessário avançar ainda mais no sentido de tentar viabilizar as possibilidades de uma teoria geral para a tutela dos "novos" direitos. Diante da insuficiência do modelo jurídico liberal individualista, abre-se a perspectiva de procedimentos estratégicos pluralistas e mais democráticos, ou seja, a produção legislativa e a resolução de conflitos no interior do Direito oficial (Poder Judiciário) e no espaço do Direito não-oficial (instâncias comunitárias descentralizadas) (p. 140).
Em síntese, há de se reconhecer que hoje toda e qualquer dissolução referente à formulação de uma teoria geral sobre o fenômeno dos chamados "novos" direitos passa, obrigatoriamente, por alguns pontos, como sua natureza (especificidade), sua fundamentação (critérios e justificativa) e sua instrumentalização processual (um "novo" direito de ação) (p. 142).
Por fim, o autor afirma que o direito a teoria e a prática do Direito moderno vem continuamente sofrendo nas ultimas décadas o impacto da aglutinação de problemas essenciais e em consequência, o clássico modelo jurídico-liberal-individualista tem sido pouco eficaz para recepcionar e instrumentalizar as novas demandas sociais, portadoras de "novos" direitos referentes a dimensões individuais, coletivas, metaindividuais, bioéticas e virtuais (p. 142).

A solução para a pouca eficácia do Direito seria a implantação de novos instrumentos jurídicos mais flexíveis, mais ágeis e mais abrangentes, capazes de regular situações complexas e fenômenos novos. Quiçá, pensa em um pluralismo jurídico do novo Direito Processual, da nova forma de interpretar e aplicar o Direito e do novo agente operador da Justiça (p. 142).